Câncer de mama e incidência de diabetes mellitus tipo 2: revisão sistemática e meta-análise.

Atualizado em 14/11/2023

O número de sobreviventes de câncer de mama tem aumentado expressivamente, e deve continuar a crescer, ressaltando a necessidade de se compreender melhor os efeitos tardios da doença e de seus tratamentos. Um desses efeitos tardios pode ser o diabetes tipo 2 (DT2).


MÉTODO


Estudos observacionais indicam um aumento no risco de DT2 em sobreviventes de câncer de mama. Essas duas doenças compartilham diversos fatores de risco, como obesidade, inflamação e alterações nos hormônios endógenos. No entanto, o DT2 também pode ocorrer como uma complicação do tratamento para o câncer de mama. Sendo assim, seria benéfico se realizar exames para DT2 em sobreviventes de câncer de mama para um diagnóstico precoce e melhor prognóstico. Isso também pode incentivar a adoção de medidas preventivas em subgrupos de sobreviventes de câncer de mama considerados de alto risco para o desenvolvimento de DT2.


Devido a isso, os autores realizaram uma revisão sistemática e meta-análise para reunir evidências sobre a associação entre câncer de mama e o risco subsequente de DT2. Foi avaliado também essa associação de acordo com os tratamentos instituídos nas pacientes para o câncer de mama.


METODOLOGIA


Foi realizado uma busca por todos os estudos elegíveis no MEDLINE (PubMed) e EMBASE desde a sua criação até maio de 2022. Foram incluídos todos os estudos observacionais nos quais o câncer de mama ou o tratamento para o câncer de mama foi considerado como uma exposição e o desfecho foi o desenvolvimento de DT2.


RESULTADOS


Câncer de mama e risco subsequente de DT2

Oito estudos investigaram a associação entre câncer de mama e risco subsequente de DT2; todos estudos de coorte. O tempo de acompanhamento variou de 3 meses a 15 anos. No total, 80.683 pacientes com câncer de mama foram acompanhadas nos seis estudos elegidos. A estimativa global agrupada para DT2 entre pacientes com câncer de mama em comparação com controles sem câncer foi de 1,23 (IC 95%: 1,13–1,33). Houve evidências de heterogeneidade estatística, indicadas por uma estatística global I2 de 97%.


Terapia endócrina e risco subsequente de DT2


Nove estudos relataram a associação entre terapia endócrina e subsequente DT2 entre pacientes com câncer de mama. O tempo médio de acompanhamento entre os estudos variou de cinco a sete anos. A maioria dos estudos incluídos relataram um aumento no risco de desenvolver DT2, independentemente do tratamento e do tipo de grupo de comparação (pacientes com câncer de mama que não receberam terapia endócrina ou controles sem câncer). Pacientes com câncer de mama que receberam qualquer terapia endócrina tiveram um efeito estimado de 1,23 (IC 95% = 1,16–1,32) em comparação com controles sem câncer. Em uma subanálise de pacientes com câncer de mama tratadas com tamoxifeno em comparação com pacientes com câncer de mama que não receberam tamoxifeno, a combinação dos quatro estudos incluídos resultou em um efeito estimado de 1,28 (IC 95%: 1,18–1,38) com uma estatística I2 de 0%.


Quimioterapia direcionada ao câncer de mama e risco subsequente de DT2


Quatro estudos avaliaram a associação entre quimioterapia e risco subsequente de DT2; todos eram estudos de coorte. Nenhum dos estudos ajustou para o uso concomitante de corticoides, que é prescrito devido os efeitos colaterais e pode estar associado à hiperglicemia. Além disso, devido à heterogeneidade dos estudos, não foram agrupamos os resultados.


Três estudos com grupo de comparação mostraram um aumento no risco de DT2 após a quimioterapia, independentemente dos controles serem pacientes com câncer de mama ou controles sem carcinoma. O estudo de Accordino et al. mostrou uma OD ajustada de 1,19 (IC 95%: 1,08–1,31) após pelo menos dois anos de acompanhamento; Lipscombe et al., a HR ajustada foi de 1,24 (IC 95%: 1,12–1,38) após dois anos de acompanhamento, que atenuou ao longo de 10 anos de acompanhamento. Kwan et al. teve uma HR ajustada de 1,23 (IC 95%: 1,11–1,38) com um acompanhamento médio de sete anos.


CONCLUSÃO


Sobreviventes de câncer de mama têm um risco aumentado de desenvolver DT2 em comparação com mulheres sem câncer. O risco elevado de DT2 foi especialmente evidente nos primeiros anos após a quimioterapia, dissipando-se em alguns estudos com acompanhamento mais longo. Pacientes com câncer de mama que receberam terapia com tamoxifeno tiveram um risco mais alto de desenvolver DT2 em comparação com aquelas que não receberam tamoxifeno e em comparação com controles sem câncer. O risco elevado de DT2 associado à quimioterapia pode ser parcialmente atribuível à hiperglicemia transitória associada ao uso de glicocorticoides, já que o risco atenuou após o término do tratamento em pelo menos um estudo.


Se faz necessário destacar o tamanho amostral pequeno nos estudos, o que afetou as subanálises que investigaram tratamentos específicos. Outra questão é o uso de bancos de dados para obter informações sobre diabetes mellitus. O diabetes préclínico pode permanecer não diagnosticado por anos; assim, a probabilidade de testar e diagnosticar DT2 em uma população de sobreviventes de câncer pode ser maior em comparação com seus controle não cancerosos. Além disso, as sobreviventes de câncer de mama podem ter contatos de saúde mais frequentes e, portanto, serem mais propensas a ir a um hospital ou médico de atenção primária dada sua condição préexistente. Isso pode ter inflado nosso risco observado de desenvolver DT2 em sobreviventes de câncer em comparação com seus controles não cancerosos, justamente pelo fato de serem mais rastreadas.


Devemos levar em consideração também o fato que o tratamento do câncer de mama leva ao ganho de peso, o que, por sua vez, também pode aumentar o risco de DT2. Por causa disso, não podemos descartar a possibilidade de que os dados possam ser atribuíveis em parte ao ganho de peso, em vez de um efeito direto do câncer de mama ou de seu tratamento no risco de DT2.


Em conclusão, esta revisão sistemática apoia uma associação entre câncer de mama e um aumento no risco de DT2. No entanto, fica limitada pelo baixo número de estudos publicados e pelo potencial de viés de vigilância em relação ao status de DT2 em sobreviventes de câncer de mama em comparação com seus pares não cancerosos. Ainda assim, as evidências apontam para um aumento no risco de DT2 em sobreviventes de câncer de mama. Clínicos, mastologistas e profissionais que trabalham no cuidado pós-tratamento do câncer devem considerar o benefício da realização de testes de glicose de rotina em sobreviventes de câncer de mama.

Autor(a)

Paulo Tenório
Médico Mastologista pela FMUSP/SP

Mastologista do Programa Cuidar do Hospital Israelita Albert Einstein; Mastologista da Clínica Femi em Alphaville/SP; Membro da Comissão de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Mastologia-SP