External Beam Accelerated Partial Breast Irradiation

Atualizado em 01/06/2020


Introdução


    A radioterapia de toda a mama realizada após cirurgia conservadora diminui as taxas de recorrência local, melhora sobrevida e fornece bom resultado cosmético para mulheres com câncer de mama inicial.  Geralmente é realizada uma vez ao dia por 3 a 5 semanas. Como após o tratamento conservador a maioria das recorrências ocorrem próximo ao tumor primário, a radioterapia parcial acelerada da mama (accelerated partial breast irradiation – APBI) realizada durante uma semana ou menos apenas no leito tumoral foi desenvolvida para fornecer um tratamento mais conveniente, já que um menor volume de mama poderia ser tratado com altas doses de radioterapia, num período de tempo menor e com toxicidade semelhante.


    A radioterapia é realizada externamente, utilizando sistemas de planejamento com tomografia computadorizada e aceleradores lineares. 


    Como estudo piloto com 104 mulheres mostrou baixa recorrência, o estudo randomizado e controlado RAPID foi iniciado em Fevereiro de 2006. O objetivo primário foi averiguar se a recorrência local no tratamento com APBI durante uma semana era não inferior à radioterapia de toda a mama. Um importante objetivo secundário foi toxicidade.


Métodos


    Estudo multicêntrico, randomizado, de não inferioridade, realizado em 33 centros do Canadá, Austrália e Nova Zelândia. As pacientes elegíveis eram mulheres com 40 anos ou mais, com diagnóstico de CDis ou carcinoma invasivo, submetidas à cirurgia conservadora, margens livres e axila negativa (CTI e micrometástase eram permitidas). Critérios de exclusão foram tumores maiores que 3cm, carcinoma lobular, mais que um tumor primário em diferentes quadrantes ou planejamento radioterápico fora do definido pelo protocolo. 


    As pacientes foram estratificadas por idade, presença ou não de carcinoma invasivo, tamanho e presença ou não de receptores de estrogênio e randomizadas para radioterapia de toda a mama (braço controle) ou APBI.


Procedimentos


    Pacientes do grupo de radioterapia de toda a mama foram tratadas com 42,5 Gy em 16 frações uma vez ao dia ou 50 Gy em 25 frações uma vez ao dia. Boost adicional de 10 Gy em 1-5 frações era permitido.


    As pacientes do grupo APBI foram tratadas com 3-5 campos não coplanares conformacionais. O alvo foi o leito tumoral (clipes) com 1 cm de margem. A dose foi de 38,5 Gy em 10 frações administrada 2 vezes ao dia, a cada 6-8 horas, por 5-8 dias. Boost não foi permitido. 


    Para garantir a administração conforme protocolo havia um programa de segurança de qualidade. 


Desfechos


    O desfecho primário foi recorrência local (in situ ou invasivo). Outros desfechos avaliados foram sobrevida livre de doença, sobrevida livre de eventos, sobrevida global, toxicidade, resultado cosmético (graduado de 0 a 3 - de melhor a pior - avaliada por enfermeiros treinados) e qualidade de vida. 


    As pacientes também forneceram avaliação própria sobre resultado cosmético.


Análise estatística


    Após ajustes do tamanho da amostra para 1,5% de recorrência ipsilateral em 5 anos com margem de não-inferioridade de 1,5%, eram esperados 64 eventos. Duas análises interinas foram realizadas após 30 e 50 eventos. Foram utilizados os modelos de Cox e Kaplan-Meier. O efeito da heterogeneidade do tratamento de acordo com variáveis como fatores de estratificação, grau tumoral, terapia adjuvante e critério de conformidade para APBI da American Society of Radiation Oncology, foi avaliado de acordo com modelo de Cox. A proporção de pacientes com toxicidade e efeito cosmético avaliado nos anos 3, 5 e 7 foram avaliados com o teste de Fischer. 


Resultados


    Entre fevereiro de 2006 e julho de 2011, 2135 pacientes foram divididas entre o grupo APBI (1070) e radioterapia de toda a mama (1065). A média de idade foi de 61 anos, 82% tinha câncer invasivo, 68% dos tumores eram menores do que 1,5 cm, 90% tinha receptor de estrogênio positivo, 60% recebeu endocrinoterapia e 13% quimioterapia. O follow-up médio foi de 8,6 anos. Houve 65 recorrências locais, 37 no grupo APBI e 28 no grupo de radioterapia de toda a mama. O risco de recidiva em 8 anos no grupo APBI foi de 3% e no grupo de radioterapia da mama toda foi de 2,8%, sem significância estatística. Não houve diferença estatística em sobrevida livre de doença, sobrevida livre de eventos e sobrevida global. 


    Toxicidade aguda (3 meses após tratamento) foi menor nas pacientes tratadas com APBI (28 x 45%), principalmente devido menos dermatite e edema. Toxicidade tardia foi maior nas pacientes do grupo APBI, principalmente devido endurecimento da pele e telangiectasia. Quanto ao resultado cosmético, pacientes do grupo APBI tiveram resultados similares no início, porém houve piora em relação ao grupo de radioterapia da mama toda nos anos 3, 5 e 7 (diferença de 11,3, 16,5 e 17,7% respectivamente), com tendência a piora ao longo do tempo, tanto na avaliação dos enfermeiros quanto na avaliação das pacientes. 


Discussão


    A radioterapia parcial da mama, baseada na observação que a maioria das recorrências ocorrem no leito do tumor primário, representa um paradigma no tratamento local do câncer de mama e o follow-up estendido desse estudo permite observar o impacto desse tratamento. Apesar das taxas semelhantes de recorrência entre os grupos, a distribuição foi diferente: nas pacientes tratadas com radioterapia da mama toda, a maioria das recorrências ocorreram perto do leito tumoral e nas pacientes tratadas com APBI a maioria das recorrências ocorreram longe do leito tumoral, fato inesperado e necessário de confirmação em outros estudos. A inferência é que parte não irradiada da mama tem mais risco de desenvolver recorrência ou novo tumor primário; estudos moleculares podem ajudar nesse aspecto. O número de metástases a distância e mortes por câncer foi similar, porém, no grupo APBI, foram observados menos casos de câncer contralateral e mais casos de outros cânceres, sem diferença na sobrevida livre de eventos – foi postulado que o maior número de casos seja ao acaso. 


    A toxicidade aguda, mais dependente da dose total de radiação do que do fracionamento, foi menor em pacientes tratadas com APBI, porém, houve aumento de fibrose subcutânea e telangiectasia nessas pacientes, o que causou aumento de toxicidade grau 2 e piora da aparência da mama com o tempo. A toxicidade tardia pode estar relacionada com o volume de mama tratado, tamanho do fracionamento e intervalo entre eles. Estudos sugerem que um intervalo de 6 horas entre as doses não seja adequado para a reparação do dano causado pela radiação nos tecidos sadios; estudos de radiação parcial externa demonstram menor toxicidade tardia quando os intervalos são de 24 horas ou mais. 


    Recentemente, resultados do NSABP B-39/RTOG 0413, que comparou APBI ou braquiterapia a radioterapia de toda a mama em 4126 mulheres com CDis, axila negativa ou 1-3 linfonodos positivos, foram relatados após follow-up de 10 anos. Os investigadores não conseguiram mostrar não-inferioridade da APBI, provavelmente devido a inclusão de pacientes com alto-risco e axila positiva e também devido a múltiplas técnicas diferentes de APBI. 


    Uma limitação desse estudo foi a taxa de recorrência local menor que o esperado, sendo necessário o aumento do limite da não-inferioridade. Outra limitação foi a generalização dos achados do estudo. No grupo de radioterapia de mama toda, o boost era permitido e foi usado em 21% das pacientes, o que foi apropriado, já que a maioria das pacientes era de baixo risco. 


    RAPID é um dos maiores trials de APBI com grande follow up. O tratamento com APBI mostrou-se não inferior à radioterapia da mama toda na prevenção de recorrência local. Apesar de menos toxicidade aguda, esse esquema foi associado com mais toxicidade moderada tardia e pior resultado cosmético, provavelmente devido às duas doses diárias. Por isso, será difícil recomendar esse esquema com duas doses diárias. Possivelmente uma dose diária de APBI com intervalos mais longos entre as doses não terá essa piora cosmética, o que é objeto de investigações atuais.



Autor(a)

Dra. Thatyane Cunha
Fellowship na L`Orangerie Clinique – França

Preceptora e médica assistente da residência de Mastologia do Hospital Sírio Libanês – São Paulo e Mastologista do Hospital São Luiz Anália Franco - São Paulo