Ácido Tranexamico Tópico na Reconstrução Mamária: um estudo randomizado duplo cego controlado

Atualizado em 01/11/2023

DOI: 10.1097/PRS.0000000000010322


Tyler Safran, MD, MSc1
Joshua Vorstenbosch, MD,PhD1
Alex Viezel-Mathieu, MD, MSc2
Peter Davison, MD, SMEpi1
Tassos Dionisopoulos, MD2
Montreal, Quebec, Canada


A reconstrução mamária está comprovadamente associada a melhores desfechos físicos, psicossociais e de bem-estar sexual para aquelas mulheres que precisam ser submetidas a mastectomias para tratamento do câncer de mama. A utilização de prótese para reconstrução imediata representa uma estratégia de tratamento para boa parte das mulheres com câncer de mama e pode estar associada a complicações em até 20% dos casos, relacionados à necrose de retalho, ao acúmulo de líquidos como seroma ou hematoma, que podem servir como meio de cultura para infecção, levar a dor, contratura capsular e até necessidade de reabordagem para drenagem cirúrgica. A utilização de drenos e a hemostasia rigorosa no intraoperatório são estratégias utilizadas para reduzir o acúmulo de líquidos, mas cerca de 6,7% das mastectomias com implantes acabam evoluindo com seroma e cerca de 3,4% com hematoma, sendo a utilização do ácido tranexâmico tópico antes da inserção da prótese uma opção para auxiliar a hemostasia, por ser um agente antifibrinolítico.


Métodos


Foram selecionadas pacientes que seriam submetidas à mastectomia poupadora de CAP bilateral com reconstrução imediata com prótese no plano pré-peitoral (sem uso de telas ou matrizes) acima de 18 anos, no St. Mary’s Hospital and Health Canada. A reconstrução foi feita por um único cirurgião, enquanto a mastectomia não seguiu a mesma regra. Aquelas previamente reconstruídas ou com história de doença tromboembólica foram excluídas do estudo, iniciado em dezembro de 2020. A mesma paciente recebia (de maneira randomizada, antes da inserção da prótese) em uma mama a solução de 100ml, contendo 3g de ácido tranexâmico previamente preparada por uma enfermeira, e na outra mama uma solução salina pura também com 100ml, sendo que a equipe cirúrgica não sabia distinguir as soluções, já que ambas eram inodoras e incolores (estudo blindado, cego, randomizado 1:1). Não era permitido o uso de ácido tranexâmico endovenoso ou anti-inflamatórios. Após 5 minutos da injeção da solução e antes da inserção da prótese, outra solução de 100ml contendo polvidine, três antibióticos (cefazolina, gentamicina e bacitracina) e soro fisiológico era injetada na mama.


O desfecho primário foi a comparação entre o débito do dreno do lado caso (ácido tranexâmico) e controle (solução salina pura). As pacientes registravam diariamente o débito dos drenos de cada lado, os quais eram elegíveis para remoção após menos de 25ml por 2 dias consecutivos, avaliado nos retornos semanais.


Resultados


Das 53 pacientes (106 mamas) incluídas no estudo, 30 (56,6%) tinham mutação genética, sendo submetidas à mastectomia redutora de risco bilateral e 23 (43,4%) tinham diagnóstico de câncer. A maioria das incisões foram inferolaterais (58,5%), a incisão para biópsia de linfonodo sentinela foi separada da mama, sendo que nenhuma paciente foi submetida a esvaziamento axilar, e em todas as pacientes foram utilizadas próteses iguais nos dois lados, com média de volume de prótese de 355,7cc. O tempo médio de seguimento foi de 69,8 semanas.



Em 43 (81,1%) das 53 pacientes os dados de débito dos drenos foram corretamente registrados e utilizados na análise. Houve uma redução de 30,5% do débito do dreno da mama que recebeu a solução tópica de 3g ácido tranexâmico em comparação ao débito da mama controle e os drenos foram retirados em média 1,4 dias antes naquele grupo.



Houve diferença estatisticamente significativa em relação às complicações, com apenas três (5,67%) no grupo que recebeu o ácido tranexâmico - seroma, infecção e contratura capsular grau3/4 - em comparação a 15 (28,3%) no grupo controle (p=0,0129)..



Conclusão


Os autores concluem que este estudo pareado, duplo-cego, controlado, mostrou que o uso de ácido tranexâmico tópico na dose de 3g antes da inserção da prótese em plano pré-peitoral em pacientes submetidas à mastectomia poupadora de CAP levou à redução significativa do débito do dreno e de complicações, quando comparado ao uso de solução salina pura na mama contralateral da mesma paciente. Por ser uma medicação segura, de baixo custo e efetiva, o ácido tranexâmico pode ser utilizado neste tipo de cirurgia, considerando ainda ser uma prática off-label, sem consenso em relação à dose/concentração ótimas, tempo de contato com a loja ou modo de aplicação. Os autores apontam que novos estudos devem ser realizados para avaliar os desfechos a longo prazo e citam como limitações a perda de 20% dos registros dos drenos, apesar do treinamento adequado das pacientes, os possíveis vieses pelo fato de a mastectomia ter sido realizada por diferentes cirurgiões, resultando em variações na espessura do retalho e nas técnicas de mastectomia, além de uma possível diferença entre mastectomias realizadas com objetivo profilático e terapêutico naquelas com diagnóstico de câncer.


Autor(a)

Natalie Rios Almeida
Mastologista pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Mestre e Doutoranda em Tocoginecologia na área de Oncologia Mamária pela UNICAMP; Mastologista do CPMO e do Imama Campinas. Membro da Comissão de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Mastologia Regional São Paulo.