Mastite Lactacional Complicada

Atualizado em 26/04/2021


É caracterizada pelo aparecimento de abscesso e ocorre em 3% a 11 % das mastites lactacionais.

Os principais fatores de risco para abscesso lactacional são :


parto cesárea,

distúrbio de lactação anterior,

trauma mamilar precoce,

manipulação precoce da mama para extração de leite ( bomba ou manual )

mamilos planos ou invertidos


QUADRO CLÌNICO


Às pacientes apresentam mamas eritematosas e edemaciadas, e a suspeita clínica de abscesso associado é levantada quando há área flutuante.


DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO


Uma vez confirmado pelo USG, a coleção deve ser tratada e conforme julgado pelas melhores práticas, os cirurgiões parecem super utilizar a aspiração por agulha em detrimento a drenagem cirúrgica
A aspiração por agulha é uma abordagem inicial apropriada para drenagem de abscesso quando a pele subjacente é normal (ou seja, eritematosa, mas não isquêmica)


A aspiração por agulha é uma abordagem inicial apropriada para drenagem de abscesso quando a pele subjacente é normal (ou seja, eritematosa, mas não isquêmica)


Podem ser puncionadas quando coleções são únicas, uniloculadas e menores que 5 cm.


O risco de falha da aspiração por agulha é maior em abscessos maiores de 5 cm de diâmetro porém existem vários trabalhos e relatos de casos com punções seriadas em abscessos até 7 cm ou maiores com desfechos satisfatórios, mas não é a rotina da maioria dos centros médicos.


Normalmente é realizada com a aspiração por agulha (rosa de calibre 40x12mm ) e anestesia local e o uso de um trato oblíquo para se aproximar da cavidade ajuda a reduzir a incidência de formação de fístula .


Os abscessos menores que 3 cm tem resultados mais favoráveis e muitas vezes resolutivos com apenas 1 punção.


A paciente deve ser reexaminada a cada dois, três dias ou mais dependendo da imagem da cavidade com ultrassom e a aspiração repetida de forma semelhante até que não haja mais fluido visível na cavidade do abscesso ou o fluido aspirado seja seroso.


A sequência usual é que, na segunda aspiração, o pus é mais fino e posteriormente se transforma em fluido seroso. Poucos abscessos requerem mais de duas ou três aspirações.


Se a pele subjacente estiver comprometida (por exemplo, isquemia ou necrose extensa) ou nos casos em que o abscesso não responde à antibioticoterapia e aspiração por agulha após 3 a 5 tentativas, a drenagem cirúrgica é indicada.


A incisão cirúrgica com drenagem continua sendo a recomendação de terapia de primeira linha para abscessos mamários maiores que 5 cm, multiloculados e múltiplos .


A incisão indicada é arciforme na pele, enquanto que no parênquima é a radiada, para evitar formação de fístula.


Deve ser no local exato da flutuação e de preferência com uma distância mínima de 2 cm do complexo aréolo- papilar para que a amamentação não seja interrompida e para evitar que o material drenado, não tenha contato direto com a boca do bebê.


Colocação de dreno de penrose por 24 horas normalmente é suficiente e mandatória.


Existem vários trabalhos mostrando a simples drenagem do abscesso não é inferior a drenagem associada ao ciclo de antibiótico.(17)


Após retirada do dreno, é esperada saída de leite pela ferida que tem fechamento espontâneo e tempo variável dependendo da profundidade e extensão, mas usualmente levam algumas semanas portanto a lactante deve ser orientada que o fechamento completo poderá ser demorado.


Não há dados na literatura sobre o tempo exato de fechamento da ferida.


Recomenda –se limpeza e aplicar os cuidados de feridas na área cruenta para cicatrização em segunda intenção.


Às vezes deparamos com feridas extensas e de difícil cicatrização e é possível a utilização de pomadas com colagenase + cloranfenicol caso haja tecido desvitalizado e que necessite de desbridamento químico. Nas feridas limpas exsudativas , pode –se utilizar curativos com hidrogel e alginato de prata fazendo trocas de acordo com a umidade/sujidade , em geral a cada 24 horas.


Nos casos mais graves existe a possibilidade do uso de curativo a vácuo, mas para isso, sugerimos acompanhamento paralelo com equipe especializada em feridas.


Câmara hiperbárica é uma opção terapêutica nos casos extensos e refratários, porém existe um fator limitante. Em geral são necessárias 10 a 20 sessões com duração de 90 minutos cada, o que dificulta a aderência. Lembramos que os casos atípicos refratários necessitam de melhor investigação e a avaliação histopatológica e culturas específicas podem ser necessárias.



Figura: abscesso drenado e fechamento por segunda intenção. A amamentação foi mantida pois a área de drenagem não tinha contato com a boca do bebê.


Na mastite complicada, a amamentação pode ser mantida normalmente. Caso a paciente se incomode com a saída de leite durante a amamentação, o bebê pode ser amamentado somente na mama contralateral para diminuir o fluxo de leite na mama acometida.


O desenvolvimento de uma fístula de leite é raro no cenário atual de aspiração ou mini-incisão e drenagem e ocorre mais comumente no cenário de drenagem cirúrgica extensiva com colocação de drenos grandes (o que raramente é necessário e cada vez menos realizada) ou quando o cirurgião opta por incisão estética e não no local da flutuação, fazendo um pertuito mais longo e desnecessário.


A fístula de leite causada por biópsia de fragmento é rara , assim como a fístula espontânea .


Não há indicação de tratamento cirúrgico para fístula de leite pois se resolve espontaneamente e se persistente, se resolve com a cessação da lactação.


Se um abscesso mamário for tratado com antibióticos na ausência de drenagem, o pus localizado pode se tornar estéril com uma grossa cobertura de tecido fibroso. Esta condição é conhecida como antibioma; ele se manifesta como um espessamento suave, firme e indolor.


Isso pode ser tratado de forma semelhante a outros abscessos mamários com aspiração, mas pode levar mais tempo para ser resolvido. A excisão não é justificada.


É importante salientar que na suspeita de contaminação bacteriana de um implante mamário ou de qualquer corpo estranho infectado, existe indicação para remoção do mesmo.


Na mastite complicada , sugerimos regime ambulatorial via oral:


Primeira opção:


Cefadroxila 500mg 12/12 horas podendo utilizar de 8/8h ou 6/6 horas


Segunda opção:


Cefuroxima ( Zinnat) 250mg a 500mg de 12/12 horas

Cefaclor ( Ceclor ) 250 a 500mg de 8/8h

Clindamicina ( Dalacin C ) 300 a 600mg de 6/6 horas


OBS: O uso de Cefalexina, Amoxicilina e Clavulanato empíricos, devem ser evitados devido ao alto risco de resistência bacteriana.


Os critérios para internação hospitalar na mastite complicada são:


ausência de melhora com a antibioticoterapia em regime ambulatorial em até 48 horas

necessidade de drenagem cirúrgica

quadro toxêmico (por exemplo, se houver suspeita de bacteremia/sepse)

infecção de rápida progressão


Nesses casos utilizamos medicações endovenosas e sempre que possível, alta hospitalar após antibiograma. Sugerimos :


Primeira opção:


Cefalotina (Keflin) – 1g de 6/6 horas

Cefazolina (Kefazol) – 1g de 8/8horas


Segunda opção:


Cefuroxima ( Zinacef ) – 250 a 500mg 8/8 horas

Oxacilina (Staficilin-N) – 1 g a 2 g de 4/4 horas

Clindamicina ( Dalacin C ) 600mg de 6/6 horas


Na ausência de resposta aos anteriores sugerimos ampliar espectro de ação e realizar associação de Ceftriaxone ( Rocefim ) 1 a 4 g /dia e Clindamicina ( Dalacin C) 600mg de 6/6 horas.


Nas mastites complicadas com área necrótica, difícil cicatrização e que tem resposta insatisfatória com as medidas anteriores e a necessidade de tratamento prolongado via oral, podemos utilizar: Sulfametoxazol + trimetopim ( (Bactrim F 800mg/160mg) 1 comprimido de 12/12 horas por 14 dias. Se necessário a manutenção, reduzir a dose para (Bactrim 400mg/80mg ) 1 comprimido de 12/12 horas por tempo indeterminado.


Mastite recidivante


A taxa de recidiva da mastite gira em torno de 8 a 30 % mesmo com tratamento adequado, mas pode também acontecer em decorrência de demora na terapia, terapia de curta duração, terapia inapropriada e em hospedeiros de Staphylococcus.


Na mastite refratária, os diagnósticos a seguir devem ser considerados:


Abscessos múltiplos, profundos e antibioma

Malignidade coexistente

Fístula

Infecção fúngica

Mastite granulomatosa

Tuberculose (TB)

Micobactéria atípica

Outros patógenos infecciosos incomuns ou multirresistência a medicamentos.


PROGNÓSTICO


Os abscessos lactacionais tendem a ser mais fáceis de tratar do que os abscessos não lactacionais, pois sua etiologia e patologia são melhor compreendidas .


Quando tratadas de forma rápida e adequada, a maioria das infecções da mama, incluindo abscessos, será revertida sem complicações mais graves.


A melhora da mastite após 2 a 3 dias de antibioticoterapia adequada é esperada na maioria das pacientes e a resolução do quadro em torno de 7 a 8 dias na maioria das publicações. (20) Nas drenagens cirúrgicas esse tempo pode se prolongar por mais de 3 semanas, devido a cicatrização por segunda intenção.


PREVENÇÃO


Prevenção das intercorrências relacionadas à lactação começa com a informação ampla e detalhada durante o pré natal. Aconselhar mães a melhorar as práticas de amamentação é fundamental para promover o aleitamento materno.


Quando as intervenções relevantes são realizadas de forma adequada, as práticas de amamentação são responsivas e podem melhorar rapidamente. O obstetra e o mastologista devem ser capacitados a realizar uma avaliação minuciosa direcionada a amamentação ( anamnese detalhada e exame físico das mamas ) durante a gravidez.


Identificado sinais de possíveis dificuldades e complicações, o profissional deverá, caso seja necessário, encaminhar a uma consultoria de amamentação para orientações específicas visando minimizar a possibilidade de intercorrências e desmame precoce.


Em geral, são equipes multidisciplinares que incluem pediatras , fonoaudiólogas, fisioterapeutas, enfermeiras ,dentistas com formação específica e cada vez mais reconhecidas nacional e internacionalmente. Reforçamos que a avaliação médica, a intervenção eficaz e encaminhamento oportuno é a forma mais eficaz de prevenção e de realização do sonho de amamentar de forma tranquila e prazerosa.


As ações preventivas da mastite devem ser realizadas no pré natal e incluem as seguintes orientações:


incentivar a paciente a conhecer a sua mama, saber manipulá-la e identificar alterações

Como realizar a higiene da mama : deve ser feita antes e pós-mamada com o próprio leite e esperar secar e lavar no banho somente 1 x ao dia . Para mantê- los secos, o uso do ´´ rolinho de fralda´´ é uma boa escolha.

como realizar a ordenha manual e como deixar bico flexível para uma pega adequada

orientar troca da posição das mamadas visando diminuir trauma no mesmo local e facilitar cicatrização de possíveis fissuras

verificar pontos de ingurgitamento e obstrução de ducto e como conduzir

orientar auto exame das mamas para detecção de fissuras para tratamento precoce e adequado

acessórios de amamentação: orientar vantagens e desvantagens das conchas, bicos de silicone, suplementadores, protetores de mamilo, cremes cicatrizantes, bombas de leite

o sutiã adequado : aquele que toda a mama fique exposta com abertura frontal e sem costura na frente. Deve ter sustentação sem apertar e sem bojo.


As ações preventivas devem ser realizadas também no pós natal e incluem a avaliação da mamada, que é de extrema importância na prevenção da mastite. Dessa forma, podemos monitorar os parâmetros a seguir de acordo com Bristol Breastfeeding Assessment Tool:


Posicionamento

→ bebê bem apoiado, envolto contra o corpo da mãe ( ´´barriga com barriga´´)

→ virado de lado/pescoço não torcido

→ nariz em direção a mama

Pega

→ reflexo de busca presente

→ grande abertura de boca

→ realização de pega rápida com uma quantidade significativa da aréola na boca

→ bebê mantém a posição com uma boa pega durante a mamada

Sucção

→ capaz de estabelecer padrão de mamada efetiva em ambas as mamas ( suga rápido inicialmente e ao longo das mamadas sucções mais lentas com pausas

→ bebê demonstra saciedade ao final das mamadas

Deglutição

→ deglutição audível, regular e suave ( sem cliques)



Em relação a utilização de probióticos como preventivos de várias doenças tem ganhado espaço em várias áreas da medicina e o estudo da microbiota e microbioma do leite humano vem revelando um ecossistema complexo.
O papel potencial do microbioma do leite parece ter implicações não apenas para a saúde infantil de curto e longo prazo, mas também para a saúde mamária.
De fato, a disbiose mamária pode ser desencadeada por uma variedade de fatores e muitas vezes pode levar à mastite.Em relação aos atuais ensaios clínicos e trials , os probióticos podem reduzir o risco de mastite mais do que placebo. É incerto se os probióticos reduzem o risco de dor nos seios ou danos nos mamilos porque a certeza das evidências é muito baixa.
A administração oral do Lactobacillus fermentum e Lactobacillus salivarius parecem promissores também na vigência de mastite quando comparados a antibióticos.
A utilização de Lactobacillus rhamnosus e Bifidobacterium lactis durante a gestação e lactação exclusiva, por 14 dias ou até dois meses antes do parto, com o objetivo de fornecer uma ferramenta inicial para combater desafios de saúde como obesidade e doenças imunoinflamatórias, de início no recém-nascido e com grande repercussão na infância e idade adulta.
Além disso tem sido descrito que o consumo de probióticos e prebióticos pela gestante pode modular a imunidade inata fetal e placentária.Inclusive nas famílias muito atópicas, os probióticos parecem ser promissores quando prescritos para mulheres durante o pré natal e aleitamento por reduzirem o risco de eczema e alergias em bebês.
Os produtos que têm fermentação natural parecem ter efeitos parecidos com os dos probióticos , então o Kefir, iogurte caseiro e convencional, picles, boza, tarhana podem ser alternativas na prevenção da mastite.


Em relação aos antibióticos tópicos para descolonização bacteriana nasal das lactantes (ácido fusídico ou mupirocina) a redução de risco de mastite parece ser semelhante aos cuidados habituais . Nas pacientes com mastites recidivantes, podemos considerar o seu uso. Há algumas evidências de que a massagem com pontos de acupuntura é provavelmente melhor do que o tratamento de rotina, os probióticos podem ser melhores do que o placebo e a massagem nos seios e o tratamento com pulso de baixa frequência podem ser melhores do que os cuidados de rotina para prevenir a mastite.


As evidências disponíveis sobre outras intervenções, incluindo a educação sobre amamentação, tratamentos farmacológicos e terapias alternativas, sugere que estes podem ser um pouco melhores do que os cuidados de rotina para prevenir a mastite . Estudos futuros devem recrutar um número suficientemente grande de mulheres para detectar diferenças clinicamente importantes entre as intervenções e os resultados de estudos futuros que devem ser disponibilizados.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS RECOMENDADAS
1. Fernandez et al. The Microbiota of the Human Mammary Ecosystem. Cell Infect Microbiol. 2020;
2. Crepinsek MA, Taylor EA, Michener K, Stewart F. Interventions for preventing mastitis after childbirth. Cochrane Database of Systematic Reviews. 2020.
3. Au K, Hambly B, Lallande L, Thiele D. Clinical predictors of lactational breast abscess. Breastfeed Med. 2017;
4. Larson KE, Valente SA. Milk Fistula: Diagnosis, Prevention, and Treatment. Breast J. 2016;
5. H. I, A.C. R, D.W. S, T. Y. Treatments for breast abscesses in breastfeeding women. Cochrane Database Syst Rev. 2015;

Autor(a)

Dra. Mayka Volpato dos Santos Vello
Mastologista pela Irmandade da Santa Casa de São Paulo

Preceptora da Residência Médica de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Santa Marcelina - São Paulo