Mastite Lactacional

Atualizado em 10/03/2021


Muitos fatores influenciam a decisão da mulher de desmamar e o principal motivo para o desmame está associado a complicações na lactação, como a dor e mastite.


Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) , a mastite é definida como uma condição inflamatória da mama podendo ser acompanhada ou não de infecção.


A mastite apresenta subdivisões sendo que a mastite lactacional , puerperal ou da lactação, é a inflamação da glândula que ocorre em mulheres em fase de aleitamento materno.


EPIDEMIOLOGIA


Acredita-se que 3 a 20% das mulheres desenvolvem pelo menos um episódio de mastite durante o período de amamentação. Na maioria dos casos, a inflamação ocorre nos três primeiros meses de aleitamento, podendo ocorrer em qualquer fase da amamentação inclusive no desmame.


FISIOPATOLOGIA


O patógeno pode entrar diretamente através ducto lactífero acometendo os lobos ,através de fissuras comprometendo o sistema periductal linfático ou pela via hematogênica, Sabemos que o principal fator de risco para a mastite puerperal é a estase láctea associado à fissura mamilar.

As fissuras do mamilo são causadas principalmente pela pega e trava incorreta do bebê, anquiloglossia ou por alguns tipos de bombas extratoras de leite que podem também levar a injúria mamilar.

A permanência de leite represado em um dos ductos mamários por prolongado tempo, pode ser causada por vários fatores como por exemplo a obstrução do ducto da mama, secundário a cirurgia mamária prévia , sutiã apertado e inadequado, dormir de bruço, uso de cinto de segurança e uso de conchas de forma incorreta .

O incompleto esvaziamento é a outra causa de estase láctea e geralmente é secundário a hipergalactia, mamadas infrequentes ou anquiloglossia ( frênulo lingual).


FATORES DE RISCO


Na tabela abaixo citamos o principais fatores de risco e os mecanismos facilitadores da patogenia


Fatores de risco materno

Mecanismo facilitador

primíparas e mulheres claras

pele frágil facilita fissuras

mamilos umbilicados, planos, pequenos, invertidos, semi-invertidos e pouco elástico

dificulta a apreensão bucal pelo recém-nascido facilitando a pega incorreta e trauma mamilar

defeito anatômico na mama, mamoplastia ou cicatriz de manipulação prévia

facilita obstrução ductal e ingurgitamento

interfere no fluxo de leite

alteração  fibrocística da mama

pode interferir no fluxo de leite.

corpo estranho como por exemplo, implante de silicone e piercing no mamilo

interfere no fluxo de leite

predispõe colonização bacteriana

raspagem ou extração de pelos da aréola e feridas nos tubérculos de Montgomery

funciona como porta de entrada para infecção

dermatoses como psoríase, eczema,  e uso de corticoide tópico

predispõe atrofia da pele e fissuras

excesso de higiene mamilar

remove a proteção natural alterando a flora normal ,disbiose

uso de hidratantes locais durante o pré-natal

O mamilo hidratado é mais sensível e predisposto a trauma.

aplicação repetida de creme antifúngico para candidíase mamilar

causa alteração de flora normal , disbiose

doença auto imune em atividade, desnutrição e  imunossupressão (incluindo diabetes )

diminui status imunológico, facilitando infecção, disbiose

hospedeiro positivo para Staphylococcus aureus

colonização constante

disbiose

estresse materno e fadiga excessiva

diminui status imunológico, facilitando infecção

tabagismo

atrapalha o reflexo de ejeção do leite materno

aumenta o risco de ingurgitamento


Os fatores de risco relacionados ao lactente são:


Fatores de risco do RN

Mecanismo

anquiloglossia

predispõe  traumas crônicos

pega e trava incorreta

predispõe a fissuras


MICROBIOLOGIA


As mastites em geral são polimicrobianas (1) , sendo a bactéria Staphylococcus aureus o agente mais comum, responsável por mais da metade dos casos.Outros patógenos incluem Staphylococcus epidermidis, Streptococcus pyogenes (grupo A ou B), Escherichia coli, espécies bacteroides, espécies de Corynebacterium e estafilococos coagulase-negativo.



DIAGNÓSTICO


Diagnóstico é clínico e costuma acometer apenas uma mama, sendo rara a infecção bilateral ao mesmo tempo.


Inicialmente observamos o endurecimento de uma região da mama, indicando apenas estase do leite neste sítio.


Quando ocorre estase láctea uma resposta inflamatória local é observada. Citoquinas e outros fatores como a interleucina 8 são encontrados no leite materno e são extremamente importantes para evitar infecções, além de proteger o recém nascido.


Após 12 a 24 horas se a mama não for esvaziada adequadamente, pode haver piora dos sintomas da dor e hiperemia local além de fadiga, prostração febre, calafrios, tremores e febre acima de 38 C e nesse momento o antibiótico deve ser empregado. (2)


Se não tratada corretamente, a mastite pode evoluir com a formação de abscessos , acometimento sistêmico e sepse , o que denominamos mastite complicada.


Exame de imagem pode ser necessário caso haja suspeita de coleção e o ultrassom é o exame de escolha. O diagnóstico pode ser mais difícil na fase pré supurativa da infecção podendo ter uma categorização mais alta do Birads. (3)


Podemos observar espessamento da pele, áreas de diminuição da ecogenicidade do parênquima, aumento da vascularização ao doppler colorido e linfadenopatia axilar de característica inflamatória.


O abscesso é caracterizado por lesão hipoecóica heterogênea, complexa, de forma variada com margens não circunscritas, irregular ou pouco definida com possibilidade de septos. Apresenta vascularização periférica e reforço acústico posterior podendo apresentar pontilhado ecogênico central, que corresponde a tecido degenerado.(4)


O USG é também o exame de escolha para orientar punções e avaliar extensão da infecção e para definir qual a melhor abordagem a ser realizada.O material aspirado (fluidos, pus, sangue ) deve ser enviado para estudos microbiológicos e citologia a fim de buscar malignidades subjacentes além da infecção.Para casos rotineiros de mastite, não se indica uma biópsia. Para todos os outros casos com, apresentação atípica, diagnóstico incerto ou uma potencial complicação (por exemplo, infecção recorrente ou falha no tratamento), a biópsia pode ser justificada. podendo ser excisional ou incisional ou até mesmo uma biópsia percutânea por agulha grossa. (3)


Não há utilidade em realizar a cultura do leite materno para orientar a decisão sobre a antibioticoterapia em mães lactantes com mastite ou abcesso mamário. Uma grande variedade de bactérias pode habitar o ecossistema mamário durante um período saudável de lactação, incluindo espécies potenciais causadoras de mastite; no entanto, se houver perturbação desse estado equilibrado, pode ocorrer disbiose do leite, eventualmente levando à mastite(5)


A flora endógena da mama é semelhante à presente na pele. Embora a presença de bactérias patogênicas e/ou as altascontagens bacterianas (>10.000 /mL de leite) sejam indicativas de mastite, o valor preditivo é baixo. Muitas lactantes com bactérias potencialmente patogênicas na pele ou no leite não desenvolverão mastite. Por outro lado, muitas mulheres que desenvolvem mastite podem não apresentar organismos patogênicos no leite. (6)


No próximo artigo, acompanhe as informações sobre o tratamento da mastite.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Russell SP, Neary C, Abd Elwahab S, Powell J, O’Connell N, Power L, et al. Breast infections – Microbiology and treatment in an era of antibiotic resistance. Surgeon. 2020 Feb 1;18(1):1–7.

2. Amir LH. ABM clinical protocol #4: Mastitis, revised March 2014. Breastfeed Med. 2014;

3. Qian Y, Chang C, Zhang H. Ultrasound Imaging Characteristics of Breast Lesions Diagnosed during Pregnancy and Lactation. Breastfeed Med. 2019;14(10).

4. de Holanda AAR, Gonçalves AK da S, de Medeiros RD, de Oliveira AMG, Maranhão TM de O. Achados ultrassonográficos das alterações fisiológicas e doenças mamárias mais frequentes durante a gravidez e lactação. Radiologia Brasileira. 2016. p. vanvouv.

5. Fernandez et al. The Microbiota of the Human Mammary Ecosystem. Cell Infect Microbiol. 2020; 6. Organization WH. Mastitis causes and Mangaement. Who. 2000.

Autor(a)

Dra. Mayka Volpato dos Santos Vello
Mastologista pela Irmandade da Santa Casa de São Paulo

Preceptora da Residência Médica de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Santa Marcelina - São Paulo