Benefício do rastreamento seriado com mamografia na mortalidade por câncer de mama: Um estudo prospectivo

Atualizado em 06/05/2022



Os estudos clínicos randomizados evidenciam benefícios no rastreio populacional regular seriado, demonstrando que mulheres com câncer de mama que realizaram o rastreamento recente e prévio ao diagnóstico tinham melhor sobrevida em relação àquelas não rastreadas. Esta vantagem é parcialmente explicada pelo viés de seleção, mas também se deve à descoberta precoce da maioria dos cânceres invasivos, especialmente os tumores pouco diferenciados, em um estadio inicial. Além disso, estudos de caso-controle mostraram menor mortalidade nas mulheres que fizeram os exames de rastreamento, sendo maior esta redução quanto menor o intervalo entre os exames. O objetivo deste estudo é estimar o efeito dos exames seriados de rastreamento na mortalidade por câncer de mama, comparando mulheres não rastreadas, mulheres com rastreamento irregular e mulheres com rastreamento periódico regular.


Este é um estudo prospectivo, observacional e multicêntrico, baseado na análise de dados do registro nacional de mortes da Suécia. As participantes do estudo foram divididas em quatro categorias referentes ao rastreamento:


Grupo 1 - Participantes regulares: mulheres que realizaram as 02 últimas mamografias de rastreio seguidas;

Grupo 2 - Participantes intermitentes: mulheres que fizeram seu último exame de rastreio agendado, mas não o penúltimo;

Grupo 3 - Participantes prescritos: realizaram a penúltima mamografia agendada, mas não a última;

Grupo 4 - Não participantes: mulheres que não realizaram as 02 últimas mamografias programadas.


Os desfechos avaliados foram estimar o efeito desses diferentes padrões de realização de exames na mortalidade por câncer de mama e na incidência de câncer de mama fatal em 10 anos após o diagnóstico.


A população do estudo foi de 549.091 mulheres, com idade média de 58,9 anos e o período médio de observação de 22 anos para mortalidade, e 13 anos para a incidência dos tumores de mama que foram fatais. O número médio de mulheres em cada grupo foi de: participantes regulares, 392.135; participantes intermitentes, 41.746; participantes prescritos, 30.945; e não participantes, 84.265. A mortalidade foi de 3.995 mortes por câncer de mama durante o período de observação, e um total de 2.589 cânceres foram fatais em 10 anos.


Ao avaliar os resultados, houve uma redução de 49% na mortalidade do grupo que realizava a mamografia regularmente em comparação ao grupo que não realizou os últimos exames (RR = 0,51; IC de 95%: 0,48 - 0,55; p 0,001). A realização da mamografia regular e seriada esteve associada à redução da mortalidade por câncer de mama, sendo essa redução menor nos grupos que faltaram no penúltimo exame, mas realizaram o último (RR = 0,77; IC de 95%: 0,69 - 0,86; p 0.001). Além disso, houve também uma redução significativa na mortalidade dos participantes regulares comparados com as participantes prescritas (RR = 0,70; IC 95%: 0,61 - 0,80; p 0,001).


Estes dados estão dispostos na tabela 2.



A figura 1 mostra a mortalidade cumulativa por câncer de mama ao longo do tempo para cada grupo.



Em relação à incidência de câncer de mama fatal em 10 anos, as mulheres que compareceram nos dois últimos exames tiveram uma redução de 50% em comparação àquelas que não realizaram o rastreamento (RR = 0,50; IC 95%: 0,46 - 0,55; p 0,001). Os outros grupos mostraram reduções menores, de 36% para o grupo de participantes intermitentes (RR = 0,64; IC 95%: 0,55 - 0,75; p 0,001) e de 25% para o grupo de participantes prescritos (RR = 0,75; IC de 95%: 0,63 - 0,88; p 0.001). Os resultados não diferiram significativamente entre os grupos intermitentes e prescritos (RR = 0,86; IC de 95%: 0,70 - 1,06; p = 0,13). Estes dados estão demonstrados na tabela 3. Na análise ajustada pelo viés de auto-seleção, a redução na mortalidade e na incidência de câncer de mama fatal em 10 anos foi de magnitude similar aos resultados da análise não ajustada.



Resultados prévios de um estudo realizado com a mesma população, porém dividida em dois grupos: mulheres que realizaram a mamografia regularmente (participantes em série) e mulheres que não fizeram o rastreamento (não participantes) já havia demonstrado benefício do rastreamento periódico na redução da mortalidade (RR 0,51; IC 95%: 0,48 - 0,55; p 0.001) e na incidência de câncer de mama fatal em 10 anos (RR, 0,50; IC 95%: 0,46 - 0,55; p 0.001).


A associação entre os diferentes padrões de adesão ao rastreamento com risco de mortalidade por câncer de mama também foi avaliada em uma análise prospectiva por Morrell et al. Nesse estudo, o rastreamento regular foi definido com a realização de três mamografias consecutivas, com intervalo médio de 30 meses ou menos, e da mesma forma encontrou um benefício substancial na adesão regular.


No presente estudo, apesar de ser prospectivo observacional, mostrou haver um grande benefício na mortalidade para pacientes que fizeram duas mamografias de rastreio prévias ao diagnóstico de câncer de mama, em relação a realização de apenas um exame, mesmo após ajustes para as principais fontes de potenciais vieses.


As limitações do estudo incluíram o fornecimento de dados pelos centros participantes, com intervalos entre os exames de rastreamento não padronizados entre si. Além disso, por se tratar de estudo observacional, as pacientes foram alocadas em grupos e acompanhadas, sem a intervenção do pesquisador.


O estudo conclui que o rastreamento feito de forma regular é capaz de reduzir a mortalidade por câncer de mama e que deixar de realizar até mesmo um exame pode conferir um aumento significativo no risco de morte. Esta mensagem é importante e deve ser difundida entre as mulheres com indicação de rastreamento para câncer de mama, profissionais da saúde e tomadores de decisão em saúde pública.

Autor(a)

Samira Juliana de Moraes Machado

Dra Samira Machado, médica pela Universidade Federal de Juiz de Fora / MG, Cirurgiã oncologista pelo A. C. Camargo Cancer Center Mastologista pelo A. C. Camargo Cancer Center Membro da SBM e SBCO

Coautor(a)

Fabiana Baroni Alves Makdissi

Médica mastologista, Head do Centro de Referência da Mama do A. C. Camargo Cancer Center, Doutora em Oncologia pela FMUSP, Membro da Academia Brasileira de Medicina de Reabilitação e Academia Brasileira de Mastologia.

Coautor(a) 2

Marina Sonagli

Médica pela Universidade Federal do Paraná Cirurgiã oncologista e mestre pelo A. C. Camargo Cancer Center Membro da SBM.