O desafio profissional da mulher mastologista

Atualizado em 08/03/2022

Os desafios profissionais das mulheres médicas não são poucos, mas talvez esta pluralidade de tarefas, papéis e desafios sejam o motivo de tornar a vida de nós mulheres mastologistas ainda mais especial. Decidi compartilhar com vocês, neste mês das mulheres, o olhar de quem vive diariamente a busca pelo equilíbrio profissional e pessoal como mulher, médica, mastologista, esposa, dona de casa e mãe.


Desde 2009, nós mulheres já somos maioria nas listas de aprovados nas faculdades de medicina no Brasil e basta olhar as listas de aprovação do TEMA (prova de título de especialista) para verificar que, assim como na faculdade, temos sido também a maioria na escolha de nossa especialidade.


Conquistei o título de especialista em Mastologia seis meses antes do meu casamento, e nesta época, a maioria dos ingressos nas faculdades de medicina e principalmente nas áreas cirúrgicas era de homens.


Lembro que no início da profissão cuidava de mulheres idosas que pouco falavam a palavra câncer pelo tabu que representava. Neste período, tratava as avós das minhas amigas. Mastectomias com esvaziamentos axilares completos eram a melhor opção. A técnica deHalsted (técnica mais agressiva) já estava em desuso, mas ainda assim as cirurgias que eu realizava e as limitações causadas às mulheres pela técnica escolhida não eram pequenas. Sempre havia um grande número de mulheres usando “luvas” para tratar linfedemas nas salas de espera.


O conhecimento e as subdivisões entre os tipos de tumores eram bastante simples. Lembro que basicamente os tumores eram subdivididos em menores ou maiores que 1cm para se definir a adjuvância. Nesta época, ainda sem filhos, dedicava meu tempo somenteà medicina, trabalho e estudo. Como todo médico, buscava conhecimento e neste desafio de estar sempre atualizada iniciei a pós-graduação.


Meu primeiro filho nasceu um mês depois da minha “primeira filha” (minha tese de Mestrado) e aí os compromissos domésticos e cuidados com a família se somaram aos compromissos com a medicina. Independente de ter ou não filhos, o desafio de todas as médicas (e médicos) é coordenar a prática médica com a vida familiar. O equilíbrio é tênue, e frequentemente tende a desestabilizar ...ruim para um lado, pior para o outro. A busca do equilíbrio ideal é um desafio contínuo.


O tempo passava e além da Mastologia já cuidava de uma família (o segundo filho veio 1 ano e meio após o primeiro). Comecei a perceber que passava a cuidar das mães das minhas amigas e da minha própria mãe. Já indicava tratamentos mais conservadores, passava a realizar preferencialmente cirurgias menores, que ainda incluíam o esvaziamento axilar na maioria delas, pois a pesquisa do Linfonodo Sentinela já despontava como tratamento que se mostrava efetivo, mas ainda exigia curva de aprendizado e sobrevida para se firmar como “standart of care”. Começávamos a identificar mais claramente grupos de risco e já não era somente o tamanho do tumor que determinava o tratamento adjuvante.


Os estudos moleculares começaram a definir melhor a heterogeneidade nos tumores; minha tese de Doutorado já avaliava diferenças nos tumores luminais, microambiente tumoral, e começávamos a indicar testes moleculares. Ou seja, cada vez mais, para ser Mastologista não bastava somente saber realizar a parte cirúrgica do tratamento da mama de nossas pacientes.


Logo após os 40 anos, comecei a tratar minhas amigas. Muitas delas médicas, mães, filhas, esposas, Mestres ou Doutoras como eu. Já com alguns anos de experiência, mais maturidade e com a medicina a nosso favor, passei a realizar sempre que possível o tratamento que tivesse a maior taxa de cura com menores efeitos colaterais. Passei a contar cada vez mais com um time multidisciplinar, a prestar mais atenção na humanização de todas as fases do tratamento e contei com muitas destas amigas para deixar meus filhos enquanto dava aulas em congressos.


Aos 43 anos, meus exames de rotina identificaram uma imagem Bi-rads 4 e precisei de uma biópsia de mama. Precisei ser cuidada por outras amigas médicas; dividi com o marido a necessidade da biópsia; saí da sala de biópsia e fui para o consultório para ver outras pacientes com a bolsinha de gelo dentro do soutien. Mostrei aos meus filhos o hematoma na mama após um deles esbarrar sem querer na minha mama recém biopsiada. Mantive a calma, mantive a fé e a esperança de que independente do resultado da biópsia haveria um tratamento possível: exatamente a mesma mensagem que devemos passar às nossas pacientes.


E assim concluo que o maior desafio profissional da mulher mastologista é o de conviver todos os dias com a possibilidade real e verdadeira de que o câncer de mama é o tumor mais frequente em “nossas vidas”. Como lidar com isso? Acreditando no que fazemos e buscando fazer cada vez melhor.


Feliz Dia da Mulher!


Autor(a)

Fabiana Makdissi

Head do centro de referência da mama do Accamargo Cancer Center.