Biópsia do Linfonodo Sentinela vs. Ausência de Cirurgia Axilar em Pacientes com Câncer de Mama Pequeno e Resultados Negativos na Ultrassonografia dos Linfonodos Axilares. O Ensaio Clínico Randomizado SOUND

Atualizado em 22/09/2023

Gentilini OD et al. JAMA Oncology. Set/2023


A biópsia do linfonodo sentinela (SLNB) é o padrão para o estadiamento axilar em pacientes com câncer de mama inicial. A ausência de vantagens do esvaziamento axilar (ALND) demostrada no ensaio ACOSOG Z0111 levantou duas questões: primeiro, se é realmente necessário realizar o estadiamento cirúrgico dos linfonodos axilares e, segundo, se a imagem pode substituir a cirurgia para o estadiamento confiável dos linfonodos axilares. O ensaio SOUND (Sentinel Node vs Observation After Axillary Ultra-Sound) foi iniciado em fevereiro de 2012 com o objetivo de avaliar a segurança oncológica de se omitir a cirurgia axilar em pacientes com câncer de mama com um diâmetro igual ou menor que 2 cm e resultado negativo na ultrassonografia pré-operatória dos linfonodos axilares.


Métodos


O ensaio SOUND foi um ensaio clínico randomizado de fase 3 de não inferioridade prospectivo e multicêntrico. As pacientes elegíveis eram mulheres de qualquer idade com câncer de mama invasivo de até 2 cm de diâmetro, ausência de envolvimento de linfonodos axilares na avaliação clínica e programação de cirurgia conservadora da mama e radioterapia. Todos os pacientes precisavam ter realizado ultrassonografia axilar pré-operatória que não mostrasse envolvimento de linfonodos nas imagens. Foram analisadas e randomizavas 1405 mulheres (708 no grupo SLNB e 697 no grupo sem cirurgia axilar). O desfecho final primário foi DDFS.


Resultados


A idade média foi de 60 anos, o tamanho médio do tumor foi de 1,1 cm e 87,8% tumores laminais HER negativo. No grupo SLNB (n = 708), 97 pacientes (13,7%) tinham linfonodos axilares positivos (5,1% micrometástases e 8,6% macrometástases), e 4 (0,6%) tinham 4 ou mais linfonodos positivos. Quimioterapia adjuvante e radioterapia foram semelhantes nos 2 grupos.


O acompanhamento médio foi de 5,7 anos. Durante o período de acompanhamento, ocorreram 12 (1,7%) recorrências locorregionais, 13 (1,8%) metástases distantes e 21 (3,0%) óbitos no grupo SLNB, enquanto 11 (1,6%) recorrências locorregionais, 14 (2,0%) metástases distantes e 18 (2,6%) óbitos ocorreram no grupo sem cirurgia axilar. A DDFS em 5 anos foi de 97,7% no grupo SLNB e 98,0% no grupo sem cirurgia axilar (P = 0,67). Dessa forma, a omissão da cirurgia axilar não foi inferior à SLNB (RR 0,84; P = 0,02). O DFS em 5 anos foi de 94,7% no grupo SLNB e 93,9% no grupo sem cirurgia axilar (P = 0,30). A OS em 5 anos foi de 98,2% no grupo SLNB e 98,4% no grupo sem cirurgia axilar (P = 0,72). A incidência cumulativa de metástases distantes em 5 anos foi de 2,3% no grupo SLNB e 1,9% no grupo sem cirurgia axilar (P = 0,69). A incidência cumulativa de recorrências axilares em 5 anos foi de 0,4% em ambos os grupos (P = 0,91).


Conclusão


No estudo SOUND, a omissão da cirurgia axilar não foi não inferior à realização do estadiamento cirúrgico pela biópsia do linfonodo sentinela (SLNB) ao avaliar a sobrevida livre de doença à distância (DDFS) em 5 anos em pacientes com idade mais avançada e com câncer de mama luminal de até 2 cm e resultado negativo na ultrassonografia pré-operatória dos linfonodos axilares. Vale ressaltar que, no grupo sem cirurgia axilar, a incidência cumulativa de recorrências linfonodais na axila foi muito baixa (0,4% em 5 anos), apesar de uma taxa de envolvimento nodal de 13,7% no grupo SLNB.


Os dados do presente estudo indicaram também que os tratamentos adjuvantes não foram significativamente diferentes nos 2 grupos, independentemente da informação patológica da SLNB. Esses dados confirmam a tendência crescente de se orientar o tratamento adjuvante principalmente por meio de parâmetros biológicos ao invés de variáveis clinicopatológicas. Devemos ressaltar que os tumores eram de pequeno tamanho, luminais e em pacientes com idade acima de 60 anos; provavelmente em situações diferentes, como por exemplo em tumores HER2+, a informação axilar patológica não poderia ser descartada à luz das evidências atuais.


Além disso, devemos considerar a capacidade da ultrassonografia em se detectar envolvimento linfonodal e eventualmente substituir a cirurgia axilar para estadiamento confiável. Nesse estudo, o uso da ultrassonografia foi capaz de descartar a presença de uma carga nodal relevante, que poderia não ter sido identificada apenas com a avaliação clínica. No grupo SLNB, a presença de micrometástases e macrometástases foi limitada (13,7%) e muito menor do que a taxa relatada em estudos anteriores, provavelmente devido ao efeito de triagem do resultado negativo da ultrassonografia axilar pré-operatória exigida para ingressar no estudo.


Apesar da necessidade de mais pesquisas para se melhorar os métodos de imagem, a natureza multi-institucional do estudo apoiou a ampla reprodutibilidade da ultrassonografia como um método simples e econômico que pode ser rotineiramente aplicado na avaliação pré-operatória de todas as pacientes com câncer de mama.


Dessa forma, os dados do ensaio SOUND devem ser considerados no processo de tomada de decisão multidisciplinar e individualizada do paciente para identificar aqueles que podem omitir com segurança a SLNB sem afetar o plano de tratamento pós-operatório.



Autor(a)

Paulo Tenório
Médico Mastologista pela FMUSP/SP

Mastologista do Programa Cuidar do Hospital Israelita Albert Einstein; Mastologista da Clínica Femi em Alphaville/SP; Membro da Comissão de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Mastologia-SP