Tucatinibe, Trastuzumabe e Capecitabina para Câncer de Mama Metastático Her2 Positivo

Atualizado em 27/07/2020



INTRODUÇÃO


Aproximadamente 15 a 20% dos cânceres de mama apresentam superexpressão do fator de crescimento epidérmico humano 2 (Her2). Apesar dos avanços terapêuticos nos últimos 20 anos, a maioria das pacientes com câncer de mama metastático positivo para Her 2 morre por causa de sua doença. Mesmo com o avanço das terapias sistêmicas, o tratamento para as metástases cerebrais são limitadas e podem se desenvolver em até metade dos pacientes. O tratamento padrão para pacientes com câncer de mama metastático Her2 positivo de primeira linha é trastuzumabe + pertuzumabe e taxano, seguido da segunda linha trastuzumabe emtansina para pacientes que tem doença em progressão. O tratamento para metástases cerebrais em pacientes com câncer de mama Her2 positivo inclui terapias locais, como ressecções cirúrgicas e radioterapia estereotáxica (ou cérebro total)


Tucatinibe é um inibidor de tirosina-quinase oral, altamente seletivo para o domínio quinase de Her2 com inibição mínima do receptor do fator de crescimento epidérmico, o que pode alterar o perfil de toxicidade. Em um estudo de fase 1b de escalonamento de dose, tucatinibe em combinação com trastuzumabe e capecitabina demonstrou atividade anti-tumoral encorajadora em pacientes com câncer de mama metastático Her2 positivo, incluindo aqueles com metástases cerebrais. 


MÉTODO


Estudo internacional randomizado, duplo-cego, que combinou tucatinibe mais trastuzumabe e capecitabina comparado com placebo mais trastuzumabe e capecitabina. O estudo foi conduzido de acordo com os requisitos regulamentares e as diretrizes da Conferência Internacional e aprovados pelos conselhos institucionais de revisão e comitês de ética de acordo com a prática de cada local de teste do participante. Todos os pacientes obtiveram o consentimento informado por escrito.


Pacientes com 18 anos de idade ou mais foram elegíveis para participar do estudo se tivessem carcinoma de mama avançado que foi determinado como positivo para HER2 com base na análise imuno-histoquímica, hibridização in situ ou hibridização in situ por fluorescência que tivessem sidos previamente tratados com trastuzumabe, pertuzumabe e trastuzumabe emtansina e preenchesse o estatus de performance de risco 0 ou 1 (ECOG). Foram excluídos os que já haviam recebido tratamento para doença metastática com capecitabina ou terapia alvo com inibidor da tirosina quinase para HER2 (embora pacientes que haviam recebido lapatinibe por mais de 12 meses antes de iniciar um regime experimental foram elegíveis para o estudo). Pacientes com metástases cerebrais foram incluídas, a menos que precisassem de intervenção local imediata, nesse caso, elas poderiam receber terapia local e ser inscritas posteriormente e os com doença leptomeníngea foram excluídos do estudo.


As pacientes foram divididos aleatoriamente em uma proporção de 2: 1 para receber tucatinibe (300 mg por via oral duas vezes ao dia durante o período de tratamento) ou placebo (via oral duas vezes ao dia), em combinação com trastuzumabe (6 mg/kg) por via intravenosa uma vez a cada 21 dias, com uma dose de carga de 8 mg/kg subcutânea) e capecitabina (1000 mg/m2) por via oral duas vezes ao dia nos dias 1 a 14 de cada 21 dias ciclo). Foram estratificadas de acordo com metástases cerebrais presente (sim ou não), status de desempenho do ECOG pontuação (0 ou 1) e região geográfica  (Estados Unidos, Canadá ou o resto do mundo).


Tomografia computadorizada com contraste (TC), tomografia por emissão de positrons (PET-CT) ou ressonância magnética com contraste (RM) foram realizadas a cada 6 semanas por 24 semanas e após a cada 9 semanas. Ressonância magnética da cabeça foi necessário para todas pacientes; as que tinham metástases cerebrais foram submetidas a contraste nos mesmos intervalos. A resposta e progressão da doença foram feitas de acordo com os Critérios de Avaliação de Resposta de tumores sólidos (RECIST), por meio de revisão central independente cega. Avaliações laboratoriais foram realizadas pelo menos a cada 3 semanas durante no período de tratamento e 30 dias após a última data do tratamento experimental. A segurança foi avaliada com base na incidência de eventos adversos.


OBJETIVOS


O desfecho primário foi a sobrevida livre de progressão (definida como o tempo entre a randomização e a progressão documentada da doença ou morte por qualquer causa, o que ocorrer primeiro) nas primeiras 480 pacientes submetidas à randomização (população primária de análise de endpoint). Pontos secundários foram avaliados na população total e incluíram a sobrevida global (definida como o tempo entre randomização até a morte por qualquer causa); sobrevida livre de progressão, avaliada por meio de revisão central independente cega, entre os pacientes que tiveram metástases cerebrais de linha de base; e taxa de resposta objetiva confirmada (definida como a porcentagem de pacientes com doença basal que teve uma resposta completa confirmada ou resposta parcial). A segurança era um ponto final secundário.


RESULTADOS


Entre 23 de fevereiro de 2016 e 3 de maio de 2019, um total de 612 pacientes foram matriculados em 155 locais de 15 países (população total). Destes, 410 foram aleatoriamente para a combinação no grupo de tucatinibe e 202 ao grupo placebo. Na população de análise do endpoint primário (480 pacientes), 320 pacientes foram divididos aleatoriamente no grupo de tucatinibe e 160 ao grupo placebo. A duração mediana do acompanhamento na população total foi 14 meses. Na população total, 291 pacientes (47,5%) apresentavam metástases cerebrais - 48,3% no grupo de combinação tucatinibe e 46,0% no grupo de combinação placebo.


EFICÁCIA DO ENDPOINT PRIMÁRIO NA POPULAÇÃO


Em 1 ano, a sobrevida livre de progressão estimada foi de 33,1% (intervalo de confiança de 95% [IC] 26,6 a 39,7) no grupo que utilizou tucatinibe e 12,3% (IC de 95%, 6,0 a 20,9) no grupo placebo e a duração mediana da sobrevida livre de progressão foi de 7,8 meses (IC 95%, 7,5 a 9,6) e 5,6 meses (IC 95%, 4,2 a 7,1), respectivamente. O risco de progressão ou morte pela doença do endpoint primário, foi 46% menor no grupo de combinação tucatinibe em relação ao grupo placebo (taxa de risco de 0,54; IC95% 0,42 a 0,71; P <0,001). As taxas de risco em todos os subgrupos foram consistentes com a taxa de risco na análise geral. Uma comparação da sobrevida livre de progressão avaliada pelo investigador entre os grupos de tratamento produziu resultados consistentes com os da análise do endpoint primário.


EFICÁCIA DO ESTUDO NA POPULAÇÃO TOTAL


Em 2 anos, a sobrevida global estimada foi de 44,9% (IC 95%, 36,6 a 52,8) no grupo de combinação de tucatinibe e 26,6% (IC 95%, 15,7 a 38,7) no grupo placebo, e a duração média da sobrevida global foi de 21,9 meses (IC 95%, 18,3 a 31,0) e 17,4 meses (IC 95%, 13,6 a 19,9), respectivamente. Na população total, o risco de morte foi 34% menor no grupo que utilizou tucatinibe em comparação ao grupo placebo (taxa de risco de 0,66; IC de 95%, de 0,50 a 0,88; P = 0,005). As taxas de risco em todos os subgrupos foram consistentes com a taxa de risco na análise geral. Além disso, a sobrevida livre de progressão na população total foi consistente com a da análise do endpoint primário.


Entre os pacientes com metástases cerebrais, a sobrevida livre de progressão estimada em 1 ano foi de 24,9% (IC 95%, 16,5 a 34,3) no grupo de tucatinibe e 0% no grupo placebo e a duração média da sobrevida livre de progressão foi de 7,6 meses (IC 95%, 6,2 a 9,5) e 5,4 meses (IC 95%, 4,1 a 5,7), respectivamente. O risco de progressão ou de morte pela doença foi 52% menor no grupo tratado com tucatinibe em relação ao grupo placebo (taxa de risco 0,48; IC 95%, 0,34 a 0,69 P <0,001). Em uma análise envolvendo pacientes sem metástases cerebrais, o risco de progressão ou morte da doença foi 43% menor no grupo tucatinibe do que no grupo controle (taxa de risco de 0,57; IC 95% 0,41 a 0,80). Entre os 511 pacientes com doença mensurável no início do estudo, avaliados por meio de uma revisão central, a porcentagem que teve uma resposta objetiva confirmada foi de 40,6% (IC 95% 35,3 a 46,0) no grupo que utilizou tucatinibe e 22,8% (IC 95% 16,7 a 29,8) no grupo controle (P <0,001).


DURAÇÃO DO TRATAMENTO


Na população do endpoint primário, a média de exposição ao tucatinibe foi de 7,3 meses (variação < 0,1 a 35,1), e do placebo foi de 4,4 meses (variação < 0,1 a 24,0); o tempo de exposição ao trastuzumabe e capecitabina também foram menores no grupo placebo. Entre os 601 pacientes que receberam pelo menos uma dose de qualquer medicamento ou placebo, a duração média da exposição foi de 5,8 meses (variação < 0,1 a 35,1) e 4,4 meses (variação < 0,1 a 24,0) respectivamente.


SEGURANÇA


A ocorrência de eventos adversos levou à descontinuação do tucatinibe em 5,7% dos pacientes, do placebo em 3,0% e da capecitabina em 9,8% dos pacientes. Os eventos adversos mais comuns observados entre os pacientes do grupo de combinação de tucatinibe foram diarréia, eritrodisestesia palmo-plantar, náusea, fadiga e vômito. A maioria dos eventos foram de grau 1 ou 2. Os eventos adversos mais comuns de grau 3 ou superior observados entre os pacientes no grupo do tucatinibe foram síndrome de eritrodisestesia palmar-plantar, diarréia, elevações da alanina aminotransferase (ALT) e aspartato aminotransferase (AST ) e fadiga. 


A diarréia foi o evento adverso mais comum no grupo da combinação de tucatinibe e no grupo placebo, e a maioria dos eventos de diarréia foram de grau 1 (em 43,3% e 32,0% dos pacientes, respectivamente) ou grau 2 (em 24,8% e 12,7%, respectivamente).


Das 215 mortes que ocorreram durante o estudo, a causa mais comum nos dois grupos de tratamento foi a progressão da doença. Eventos adversos foram a causa da morte em 6 de 404 pacientes (1,5%) no grupo de combinação de tucatinibe e em 5 de 197 pacientes (2,5%) no grupo controle.


DISCUSSÃO


Entre as pacientes com câncer de mama metastático positivo para HER2 previamente tratadas com trastuzumabe, pertuzumabe e trastuzumabe emtansina, a adição de tucatinibe ao trastuzumabe e capecitabina resultou em um risco clinicamente menor de progressão ou morte da doença do que a adição do placebo em pacientes com metástases cerebrais. Mais importante, a sobrevida global foi mais longa em 4,5 meses com tucatinibe (mediana de 21,9 meses vs. 17,4 meses). Estudos anteriores mostraram que a combinação de um inibidor da tirosina quinase HER2 com capecitabina tem alguma atividade nas metástases cerebrais de pacientes com câncer de mama HER2 positivo.


O benefício de sobrevida com tucatinibe foi observado na população total do estudo HER2CLIMB e em todos os subgrupos testados. Além disso, os resultados mostraram que, em combinação com capecitabina, o direcionamento simultâneo do domínio interno do HER2, bem como do domínio externo com trastuzumabe, levou um melhor a resultado de sobrevida.


Os pacientes foram inscritos em 155 locais de 15 países e todos os pacientes haviam recebido tratamento anterior padrão (trastuzumabe, pertuzumabe e trastuzumabe emtansina). O grupo comparador recebeu um regime recomendado de manejo, apoiado por um estudo randomizado, de fase 3 que mostrou maior progressão e sobrevida global entre pacientes tratados com trastuzumabe mais capecitabina do que entre aqueles tratados com lapatinibe mais capecitabina. Os resultados de sobrevida no grupo de combinação com placebo neste estudo foram semelhantes aos de outros estudos de terapia direcionada a HER2.


Neste estudo, foi incluído uma grande porcentagem de pacientes com metástases cerebrais em progressão não tratadas ou tratadas anteriormente, uma população normalmente excluída de ensaios clínicos. A inclusão de pacientes com metástases cerebrais nos ensaios iniciais de fase 1 do tucatinibe gerou dados preliminares de eficácia para apoiar sua inclusão no HER2CLIMB.


O tucatinibe em combinação com trastuzumabe e capecitabina foi associado a eventos adversos sendo a maioria de baixo grau. Os eventos observados incluíram diarréia,  elevações transitórias e reversíveis nos níveis das enzimas hepáticas. A maioria dos pacientes no grupo de combinação de tucatinibe tiveram efeitos adversos, mas menos de 6% dos pacientes interromperam o tratamento. 


Em conclusão, tucatinibe mais trastuzumabe e capecitabina é uma combinação ativa em pacientes com pré tratadas com câncer de mama metastático positivo para HER2, incluindo aqueles com metástases cerebrais previamente não tratadas, tratadas e estáveis ou tratadas e em progresso.


Autor(a)

Dra. Fabiana Coelho
Mastologista formada pela Santa Casa de São Paulo

Membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e membro associado do Centro Paulista de Mastologia e Oncoplastia (CPMO)